EDIÇÃO 2023

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É ENTÃO ISTO UM LIVRO


Está de volta a Feira do Livro do Porto e, com ela, regressam aos Jardins do Palácio de Cristal as livrarias, os alfarrabistas, as editoras, os leitores, as conversas e as palavras.


Não a maior, nem a mais ruidosa, ainda que sempre ansiada e popular. Não uma Feira que se impõe pela histeria das novidades editoriais, antes convida à descoberta e à flânerie pela Avenida das Tílias. Mas também uma Feira do Livro que interpela o público, os leitores – os de sempre e os que se estão a descobrir –, e propõe, ano após ano, uma programação rica, vibrante, diversa, que abre espaço à comunhão em torno da palavra escrita ou dita. E os livros, sempre eles, em lugar de destaque.


É então isto um livro, / este, como dizer?, murmúrio, / este rosto virado para dentro de / alguma coisa escura que ainda não existe”, escreveu Manuel António Pina. Afinal, cada livro “uma boca / falando com a nossa voz”.


Como em edições passadas, a Feira do Livro volta a homenagear uma figura das letras portuenses: Manuel António Pina, autor que, entre outras distinções, recebeu o Prémio Camões 2011. Manuel António Pina, o cronista anacronista, o jornalista entre “Ovídio e o Jornal de Notícias”. Beirão de nascimento, portuense de adoção, dramaturgo, poeta. Cultor do banal, do insignificante, do que se oculta acima do visível nas ruas da cidade, dos desencontros e das improváveis sincronias do quotidiano. Um golo, uma tira de banda desenhada ou um filme de Pasolini. “Um raio de Júpiter ou um pneu rebentado, que importa?”

Recordaremos a sensibilidade e o humor fino de Manuel António Pina atribuindo à sua memória e à sua obra a décima tília da Feira do Livro do Porto.


Rui Moreira

Presidente da Câmara Municipal do Porto


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TODAS AS PALAVRAS


Entre nós e as palavras, o nosso dever sonhar.

A palavra vai florir nesta edição da Feira do Livro do Porto. A palavra à solta nos Jardins do Palácio de Cristal, a palavra ao canto dos pássaros.

Anunciamos um festival literário fecundo, construído em torno da palavra, essa potência invencível, e assente numa programação rica, diversificada, multidisciplinar e inclusiva, onde marcarão presença destacadas figuras da nossa cultura.

Uma edição da Feira do Livro aberta à participação de todos os que dedicam a sua vida ao livro e à palavra, uma iniciativa plena e luminosa que estreitará ainda mais a relação da cidade com o livro e com a leitura.

Palavra escrita, palavra dita, gritada, muitas vezes sussurrada, palavra encenada, palavra cantada, resistindo ao silêncio, ao tempo, à ausência, à ignorância, à opressão. A vitória da linguagem.


Sobre este tema, desvenda-nos Manuel António Pina:

“A minha relação com as palavras, muitas vezes, é deixá-las ir sozinhas. Porque elas acabam sempre por falar sozinhas e têm lógicas próprias que nós não dominamos totalmente, e que têm a ver com a matéria poética.” E prossegue: “A relação com as palavras tem que ser uma relação semelhante à que o pastor tem com os rebanhos: deixá-las em «liberdade condicionada» ou «abandono vigiado».”

Na sua crónica “Palavras que nos dizem”, Pina é peremptório: “As palavras são seres furtivos, capazes de sentidos onde não alcançam, pobres deles, os dicionários. O seu poder é enorme e ninguém nem nada lhe está imune. É um saber.”

Em suma, o nosso propósito programático nesta edição da Feira do Livro do Porto, no trilho de Manuel António Pina, é claro: DAR CORDA À PALAVRA.


Uma programação intensa, onde não faltam sessões de cinema, apresentações de livros, conversas com escritores, mesas de debate, performances, recitais de poesia, concertos, leituras encenadas, sessões de spoken word e espetáculos para toda a família, certos de que “o pior de todos os males seria a morte da palavra”, como escreveu Heraclito. Uma programação, dizemos, virada para o Futuro e assente numa atitude de modernidade e de compromisso com o nosso tempo. Preferiremos sempre a modernidade às modas, a liberdade à libertinagem, o clamor ao silêncio. Propomo-nos, por fim, cativar para a leitura um público cada vez mais jovem que parece começar a acreditar que a Poesia é uma linguagem libertadora e parte integrante da Vida.


Terminamos estas breves notas evocando o título do primeiro livro de poemas de Manuel António Pina, que serve de mote a esta edição: Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde.


João Gesta

Coordenador de Programação da FLP 2023


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MANUEL ANTÓNIO PINA, AQUELE QUE SE NASCEU NO PORTO


Tendo aportado com 17 anos a esta cidade "desrazoável, intransigente e generosa", depois de ter partido para sempre da infância "num grande camião de mudanças", Manuel António Pina "nasceu-se" no Porto, como escreveu num texto de 2001. Talvez por isso, porque aqui teve de reencontrar “o fio perdido do seu destino”, os modos e os lugares comuns portuenses surgem tocados, nos seus textos, de uma espécie de transcendência, dando a medida do que, em nós, é simultaneamente estranho e familiar, alienante e reconhecível, desesperante e redentor.


Nas suas crónicas não faltam umas quantas incursões na Feira do Livro do Porto, a qual, mais que um lugar para mundanidades literárias, lhe servia de pretexto para interrogar o mistério da poesia – o porquê dela e dos seus leitores. Mas Pina foi também o cronista das alegrias e misérias pátrias, com melancolia sem rancor e humor sem euforia. Cedo desenganado da política, ele fez, diariamente, política por outros meios, na cidadania e nas crónicas. A substância destas é a mesma da sua poesia, e das suas ficções, e das peças que escreveu para o Teatro do Pé de Vento. A sua obra teatral completa é provavelmente o mais importante acervo da dramaturgia portuguesa para o público infantojuvenil, a antítese mesma de um teatro infantilizado.


No programa da homenagem ao Prémio Camões 2011, vamos convocar alguns dos muitos Pinas que havia em Pina: o poeta e o escritor; o repórter e o editor de cultura do JN, que encarava o jornalismo como outra forma de respeitar as palavras; o publicista; o guionista de TV; o cinéfilo que assistiu, no Batalha, a dez sessões de Pedro, o Louco, em dez dias consecutivos, e que escreveu o melhor ensaio disponível sobre Aniki Bobó; sem esquecer o Pina das tertúlias e dos cafés – do Piolho, do Orfeu, do Convívio – e dos amigos (que o esperam ainda).


"Há cidades que nos ficam justas, e há cidades que nos ficam grandes, e outras que nos ficam muito apertadas, como se fossem uma roupa que não nos pertencesse. O Porto está-me justo, está à minha medida", escreveu ele. Leais aos que aqui nasceram como aos que aqui se nasceram, quisemos uma evocação à medida do Pina, que lhe fique justa, como lhe ficava o Porto, e não uma cerimónia como algo que não lhe pertencesse - a ele e a nós. Algo menos que uma homenagem e algo mais que uma homenagem. Estão todos a ver onde o autor quer chegar?


Rui Lage

Comissário da Homenagem a Manuel António Pina

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