Sérgio Godinho
Espalhem a notícia
Espalhem a notícia: Sérgio Godinho vai estar em destaque na Feira do Livro do Porto 2025. Divulguem o encanto, do mistério da delícia, que é ter no evento um dos mais importantes autores portugueses da atualidade. Escritor de canções e não só, que isto anda tudo ligado.
Que é que tem o Sérgio que é diferente dos outros? Ao contrário de muitos cantautores da sua geração, soube escapar ao estilo formulaico e redundante que é hoje mera arqueologia revolucionária. Sem deixar de denunciar e criticar a realidade social, Sérgio Godinho fez das suas letras pequenas histórias do quotidiano, usando uma linguagem coloquial polvilhada de jogos de palavras, anáforas, eufonia e muito humor. Criou, assim, uma identidade musical e poética forte, aliada a uma permanente inquietação artística e reinvenção estilística.
Há frases do Sérgio que são imorredoiras: “hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”; “cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas”; “uma raiva a nascer-te nos dentes”; “antes o poço da morte que tal sorte”; “pode alguém ser quem não é?”; “a liberdade está a passar por aqui”. Tornaram-se frases batidas devido, justamente, ao talento literário de Sérgio Godinho e à sua capacidade para se insinuar no imaginário coletivo dos portugueses. De igual forma ficaram populares personagens tão idiossincráticas como Etelvina, Barnabé, Casimiro, Adozinda ou Alice no País dos Matraquilhos, que correspondem a estereótipos sociais.
E o Sérgio também cantou o Porto, sua terra natal, com uma lágrima ao canto do olho que estava fechada, há que tempos, com um ferrolho. Agora, a cidade presta-lhe a devida homenagem com uma tília nos jardins do Palácio de Cristal e várias iniciativas com curadoria de um colega de ofício, Francisco José Viegas. Dá-se ainda o bambúrrio de comemorarmos, durante a feira, os 80 anos do autor de O Elixir da Eterna Juventude (não ‘tava marado, falsificado?). Misticismo agora à parte, envelhecer é uma arte que o Sérgio domina.
A homenagem estende-se à obra ficcional e poética de Sérgio Godinho, que ombreia em qualidade com o seu cancioneiro. O universo criativo deste homem dos sete instrumentos serve de mote à programação da feira, que se espraia por diferentes expressões artísticas: da literatura à música, passando pelas artes plásticas, o cinema ou a spoken word. Mas a essência do evento é a promoção do livro através dos seus fautores: editores, livreiros e alfarrabistas. Tudo isto numa mistura fina entre comércio livreiro e festival literário, modelo que adotámos para a feira há mais de dez anos.
Brindemos aos livros com o vinho da casa.
Rui Moreira
Presidente da Câmara Municipal do Porto
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Quero um país de ideias libertas
as mágoas da vida
e da vida as ofertas
fronteiras antigas
fronteiras abertas
(Sérgio Godinho, Nação Valente)
Falar sobre a Feira do Livro do Porto é falar de cultura e de uma iniciativa plena e fecunda, aberta à participação de todos aqueles que dedicam a sua vida ao livro e à palavra.
Disse António Lobo Antunes: “A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um escravo.”
Com efeito, a cultura não é um luxo. Ela é a fonte primeira de coesão social e identidade dos povos. Fornece às pessoas uma convergência colectiva e uma forma de entender o mundo e de o transformar.
Sejam, pois, bem-vindos aos Jardins do Palácio de Cristal, sala de visitas deste Porto coriáceo, que tanto nos fascina com a sua capacidade de resistência, de nos levar ao colo, enquanto, sem darmos por isso, nos vai enfeitiçando, transtornando e viciando, como escreveu Jorge Sousa Braga.
Que esta edição da Feira do Livro do Porto, que homenageia Sérgio Godinho – oleiro da palavra, poeta fulminante “enfarinhado de luar” –, se transforme num rigoroso exercício de libertação, numa festa da palavra ao serviço do dia claro e vertiginoso, numa festa onde caiba o mundo inteiro.
O fogo da palavra ao serviço da Liberdade (“Contrafacção da Liberdade é ignomínia”) e do Amor (“Eu quero a quimera do ouro / brilhando à luz do teu olhar”), as bandeiras que continuam a acicatar a nossa acção programática. Construímos, no âmbito da Feira do Livro do Porto, um festival literário contagiante, assente numa programação rica, vibrante e diversa, contando com a cumplicidade e o gesto exacto de centenas de “alquimistas da palavra”.
O perfume exótico da palavra escrita e dita, no enlevo e companhia de Sérgio Godinho, José Luís Peixoto, Adolfo Luxúria Canibal, Martim Sousa Tavares, Mia Tomé, Ana Zanatti, Teresa Coutinho, Rui Couceiro, Sandra Celas, Samuel Úria, Mafalda Veiga, Hugo van der Ding, Lídia Jorge, Inês Meneses, Filipa Leal, Tozé Brito, Alberto Manguel, António Brito Guterres, B Fachada, Manel Cruz, Rui Reininho, Márcia, José Gil, Marta Pais Oliveira, Mariana, a miserável e dezenas de outros caminheiros ao serviço do Sonho.
De 22 de Agosto a 7 de Setembro, a liberdade vai passar por aqui. Adivinham-se 17 dias rutilantes onde não faltarão mesas de debate e conversas com escritores, músicos e figuras ligadas à nossa cultura, concertos, recitais de poesia, momentos de humor, leituras encenadas, sessões de spoken word, sessões de apresentação de livros, cinema, exposições e um cuidado programa infanto-juvenil, num total de muitas dezenas de espectáculos grátis. Maré Alta!
João Gesta
Coordenador de Programação da FLP 2025
*O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico.
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Um sítio onde pousar a cabeça*
Sempre pensei que livros e árvores estabeleciam uma ligação perfeita – ainda por cima com o rio por perto e o mar mais ao largo, sempre à vista. Depois, para quem vem aos jardins do Palácio de Cristal nesta altura do ano, há sempre visitações: faias, liquidâmbares, plátanos, castanheiros (Castanea sativa e Aesculus), cedros que chegam até ao céu, ciprestes, roseiras-bravas, araucárias, magnólias, ácer lua-cheia (Acer japonicum), um casal de melros, pardais, japoneiras, rododendros, tílias, cedros-do-líbano, nogueiras-do-japão (ah, sim, o Ginkgo biloba), metrosíderos ou ainda podemos visitar o tulipeiro da Casa Tait, regressar para anotar as faias e os buxos, uma andorinha irritada, cedros brancos e um braquiquito majestoso e cheio de sombra, mais palmeiras-de-leque, loureiros, plátanos vulgares – e a sombra de todas elas, para nosso deleite. Nenhuma outra cidade ama assim as suas árvores, e nenhuma lhes junta tantos livros.
Este ano, Sérgio Godinho podia cantar-nos essa afinidade entre os jardins, a cidade, o rio, as famílias em visita, os solitários em passeio, as árvores, o mar (só falta a chuvinha miúda, que nos visita quase sempre) e os livros, que coroam a aliança. Por todas as razões e mais uma – a de ser ele a figura homenageada pela Feira do Livro do Porto de 2025. Tudo começará com a sua presença na bela Avenida das Tílias, onde uma dessas árvores admiráveis levará, a partir de dia 23, o nome de Sérgio Godinho e os seus versos. No dia 30, haverá lançamento do seu novo livro de contos e, para encerrar, teremos um concerto nos jardins, a 7 de setembro – uma semana depois de cumprir 80 anos. Não percam. O Porto ama as suas vozes, e o Sérgio é uma delas.
Haverá, em suma, um extenso programa que vos convido a ler nestas páginas, e ainda mais árvores, livros, debates, conversas, confrontos, romances e versos, concertos, passeios, farnéis, lançamentos, transportes à porta, curiosidades e alfarrábios, farturas & lugares para nos sentarmos na relva ou num degrau – tudo ao pé da nossa Biblioteca Almeida Garrett, que vos receberá em várias ocasiões. Depois disto tudo, podemos passear os livros pelos jardins, levá-los para que observem o rio, lá em baixo, e se estendam pelo mar, lá adiante, se estiverem para aí voltados. Seja tudo à vossa vontade.
Francisco José Viegas
Comissário da Homenagem a Sérgio Godinho
*Sim, nunca nos esquecemos de ti, Pina.