EDIÇÃO 2021

CELEBRAR JÚLIO DINIS


Celebrar Júlio Dinis na Feira do Livro do Porto poderá ser, na aparência, anacrónico. De facto, ele é o mais esquecido dos escritores portugueses conhecidos. A verdade é que para além dos seus romances, que múltiplas gerações leram avidamente, há toda uma obra, em inúmeras derivas, que merece ser revisitada. 

Uma obra densa em que o Porto, onde nasceu, estudou, viveu grande parte da sua curta existência e morreu, tem lugar cimeiro em inúmeros textos que publicou, nomeadamente no seu único romance citadino, “Uma família Inglesa”. 

O seu romantismo declina, também, a tradição Oitocentista influenciada pela peste branca, a tuberculose que o viria a vitimar, e marcou a criação artística de outros como Keats, Dumas, Victor Hugo, Verdi ou Puccini. 

Num tempo em que somos assolados por uma outra pestilência, há uma óbvia ressonância que pretendemos evocar com esta revisitação. 


Rui Moreira

Presidente da Câmara do Porto



HERBORIZAR PARA RESGATAR O TEMPO


A Feira do Livro regressa uma vez mais aos Jardins do Palácio de Cristal sob o signo do reencontro, da escuta e da leitura, de esperança num futuro em que possamos reencontrar a normalidade nas relações com os outros e com o mundo. 

Os livros foram, para tantos dentre nós no alargado período de confinamento que vivemos, um ponto de ancoragem, um porto de abrigo, oferecendo conforto espiritual e estímulo intelectual aos seus leitores. Num tempo em que nos vimos privados de tantas coisas que dávamos por adquiridas, apetece perguntar como seria o mundo sem livros, sem leitores e sem escritores? 

Herborizar é o mote da Feira do Livro de 2021! Herborizar, a ação de fazer herbários, foi uma prática muito comum, não só entre botânicos mas também entre escritores, que se estendeu até ao século XIX e respondeu à necessidade de estudar, conhecer e classificar, para memória futura, as espécies do mundo vegetal, conduzindo, em consequência, ao autoconhecimento do herbolário. 

Convoca uma prática meditativa que se realiza a dois tempos: a caminhada na natureza em busca de exemplares a colher e o longo e cuidadoso tempo de preparação que se segue com vista à sua preservação. É por isso uma prática paradoxal: fixar, interromper o fluxo da existência, para preservar uma memória. 

Júlio Dinis fez um herbário na Ilha da Madeira por alturas da última das três estadas que ali realizou para se curar da tuberculose de que padecia. É uma peça plena de delicadeza em que sentimos, concretos, os gestos e a respiração do escritor. Ainda mais do que os livros que nos deixou, é o mais vívido e emocionante testemunho que temos deste homem — tudo isto através das plantas, os seres que, silenciosos, há mais tempo nos acompanham nesta passagem pela Terra. O Herbário de Júlio Dinis é a peça central da Feira do Livro e estará em exposição na Extensão do Romantismo do Museu da Cidade. 

Transcorridos 150 anos sobre a morte de Júlio Dinis, celebramos um percurso tão notável e singular quanto súbito. Desaparecido ainda antes de completar 32 anos, o autor de As Pupilas do Senhor Reitor passou pela vida e pela escrita como um cometa, deixando uma obra invulgarmente extensa, para tão breve tempo de existência, e inovadora, que urge redescobrir, voltar a ler e debater. Um homem marcado desde muito cedo pela doença, mas cujos livros foram sempre iluminados pelo otimismo e pela esperança. 

Tendo como mote os romantismos, assim, no plural, auscultamos o que caracteriza a experiência espiritual romântica e como ela se manifesta em diferentes épocas, em particular no nosso tempo. 

Numa edição que tem como programadores convidados Helena Carvalhão Buescu, iminente especialista do Romantismo, coordenadora do Dicionário do Romantismo Literário Português, e Gonçalo M. Tavares, um dos mais estimulantes e importantes escritores da contemporaneidade, preparámos uma programação diversa e multidisciplinar, que cruzará música, cinema, animação e exposições, com um extenso e inspirador programa literário, pontuado por conversas e lições.


Nuno Faria 

Coordenador programático da FL 2021 

Diretor artístico do Museu da Cidade